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Lançamento do livro: ¨Ensaio sobre os dados imediatos da consciência de Henri Bergson¨

Ensaio sobre os dados imediatos da consciência de Henri Bergson – Tradução e notas de Maria Adriana Cappello; revisão técnica, prefácio e notas de Débora Morato Pinto. São Paulo: Edipro, 2020.

 

 

Ensaio sobre os dados imediatos da consciência de Henri Bergson – Tradução e notas de Maria Adriana Cappello; revisão técnica, prefácio e notas de Débora Morato Pinto. São Paulo: Edipro, 2020.

É com prazer que apresentamos a primeira edição crítica de uma obra do filósofo Henri Bergson preparada e publicada no Brasil. Trata-se também da primeira tradução brasileira do Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência, obra inaugural do autor cujas reflexões ecoaram ao longo de todo o século XX e são redimensionadas por discussões contemporâneas em torno da psicologia e da psicanálise, das neurociências, da biologia e da física, da ética e da política. A tradução comentada em notas explicativas tem assim o objetivo de abrir o caminho para uma leitura atenta e atravessada por questões relevantes.

É importante, dado tal objetivo, contextualizar a presença de Bergson na atualidade. Depois de um período de relativo ostracismo a partir da metade do século passado, ocorreu na França, a partir dos anos 90, uma intensa retomada dos estudos sobre o filósofo. E a constante presença brasileira nesse movimento foi impulsionada pela publicação, pela George Olms Verlag, da tradução francesa (feita por Renaud Barbaras) do livro de Bento Prado Jr. –Presença e Campo Transcendental. Consciência e Negatividade na Filosofia de Bergson – reflexão de fôlego cuja originalidade foi imediatamente captada pelos pesquisadores franceses articulados em rede a partir das teses defendidas e dos cursos ministrados nas universidades. O debate sobre o livro de Prado Jr. no Collège de France foi publicado no primeiro número dos Annales Bergsoniennes, periódico editado pela PUF a partir de 2002 e que ocupou a lacuna deixada pela interrupção dos Études Bergsoniennes. Depois de 18 anos e onze volumes, os Annales foram encerrados em 2020 e uma nova publicação – Bergsoniana – será lançada pela Societè des Amis de Bergson ainda esse ano.

A marca notável do movimento de redescoberta do bergsonismo pode ser definida por um conceito essencial ao filósofo, a abertura. A moralidade aberta é, com efeito, uma das noções-chave da reflexão ética que fecha o trajeto percorrido em diálogo direto com a psicologia, a neurofisiologia e, em especial, a biologia em plena revolução darwiniana. A ideia central defende a possibilidade de que a humanidade supere a tendência natural, isto é, da espécie, ao fechamento em grupos cuja identidade se dá por oposição ao “outro”. Os desdobramentos das sociedades fechadas são a violência e a guerra. Evoluir da moralidade de obrigação, forjada na teia da vida social organizada para solidificar e defender o grupo, a uma moralidade aberta ao humano enquanto tal, eis o ideal da dimensão ética no pensamento bergsoniano. Muda-se da via estática ao movimento dinâmico que acolhe potencialidades de transformação e permite a coesão dos diferentes. Unidade que não é identidade, totalidade aberta que não impõe fronteiras.

O delineamento dessa abertura é o último gesto teórico que prolonga o fio do estudo sobre a liberdade, articulação entre psicologia, metafísica e moral a partir da qual se desdobra o Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Sim, o problema que o livro se coloca – ou antes, coloca em novos termos – é a liberdade, ainda que tal termo não pertença ao seu título. Descobrir como um estudo da consciência interior, das emoções e da duração psicológica pode ser a chave para redefinir a liberdade é uma das questões mais instigantes do livro. Possibilidade de descoberta que, uma vez assumida pelo leitor, pela leitora, certamente os levará a continuar nesse movimento concomitante de ampliação e aprofundamento cuja exploração tanto retroage da consciência humana do Ensaio para a pré-consciência de Matéria e Memória, quanto progride para a exploração das outras formas de consciência, associadas a outras formas de vida e, destas, até um plano cosmológico, em  A Evolução Criadora.

Mas não é nossa intenção fazer aqui um recenseamento dos temas e das obras de Bergson. Queremos apenas ressaltar como o conjunto de pesquisadores que compartilham o interesse pelo filósofo se articulou impulsionado pela abertura citada. Eis a explicitação prática do que essa nova filosofia do tempo faz emergir como dimensão virtualmente contida na compreensão da liberdade. Abertura que, não à toa, tem como um de seus traços expressivos precisamente a construção de redes de pesquisa marcadamente internacionalizadas. Redes, aliás, que não funcionam como mera formalização de atividades de pesquisa, mas instituíram-se por meio de relações interpessoais e reflexões filosóficas dialógicas, marcadas muitas vezes por sólidas amizades e encontros pelo mundo.

A presença do Brasil nessa rede, como indicamos, se faz sentir nas pesquisas que marcam igualmente uma intensificação da filosofia nas nossas universidades a partir dos anos 80. A face concreta dessa repercussão reside no conjunto significativo de dissertações, teses, publicações e exercício da docência girando em torno de Bergson e em contato permanente com o movimento cuja base está, naturalmente, na França. A abertura e o diálogo são visíveis na atuação da Société des Amis de Bergson (ver https://bergson.hypotheses.org/) que nucleia e mantém em comunicação diversos projetos sediados em várias partes do mundo. Entre várias inciativas podemos citar o “Project Bergson in Japan”, iniciado em 2007 e hoje consolidado (ver https://matterandmemory.jimdofree.com) e o recém-criado “Global Bergsonism”.

Nossa edição do Ensaio é crítica, quer dizer, tradução acompanhada de notas explicativas que buscam esclarecer momentos mais densos do texto, relacionar a reflexão sobre a liberdade a outras obras do filósofo e referenciar artigos e livros de estudiosos, sobretudo (mas não apenas) brasileiros. Tradução acompanhada de um dossiê que só se tornou possível justamente porque foi precedida pela reedição da obra do filósofo igualmente crítica, com dossiês minuciosospreparados por especialistas franceses, carregados de milhares de referências que esclarecem as próprias referências de Bergson (alguns dos dossiês chegam a ter 300 páginas).

A indispensável coleção Le Choc Bergson, editada pela PUF, foi coordenada por Frédéric Worms, da École Normale Supérieure. Grande especialista, cioso da importância e do potencial filosófico do bergsonismo, bem como do papel institucional a ser exercido para que essa obra retornasse ao palco da filosofia contemporânea, Worms tem sido a força-motriz dessa conexão intensa e fértil, da qual muito nos orgulhamos de participar. Fundador e primeiro presidente da SAB – que hoje é presidida por Caterina Zanfi, pesquisadora italiana do CNRS – ele é um dos maiores responsáveis pela dimensão mundial que os estudos bergsonianos assumiram. Assim, a leitura da Edition Critique (PUF, Quadrige, já em terceira edição, 2018) do Ensaio preparada por Arnaud Bouaniche foi condição para preparar a nossa, que tem caráter e objetivos distintos.

Para fechar essa apresentação, uma palavra sobre a experiência de traduzir Bergson para o público brasileiro que, em sua maioria, será encontrado nas salas de aula, presenciais ou virtuais. É inevitável repetir-nos, aqui, sobre a sempre ingrata tarefa de traduzir um autor com a estatura de Bergson, que alia potência criadora com precisão teórica e leveza de estilo. Ademais, a elegância e a beleza de sua escrita, parte integrante de seu horizonte filosófico, valeu-lhe o Nobel de Literatura. De fato, aceitamos, desde cedo, perseguir tais características à devida distância, concentrando-nos, certamente, em não errar no conteúdo, mas, sobretudo, em não trair a proximidade estabelecida pelo texto entre seu autor e seus leitores. Se tivermos tido sorte, esperamos que, ao menos em alguns momentos, o mergulho no livro traga ao leitor a presença de Bergson lhe falando de perto, a presença do empolgado professor que ele logo seria, que apresenta exemplos, convida a explorar experiências, que se distancia quando é obrigado a desenvolver algum aspecto mais técnico, mas que está ali, próximo, paciente, quase chamando o leitor pelo nome.

E, nesse sentido, uma última observação que, de resto, dirigiu a organização gráfica do livro. Esqueçam nossas notas numa primeira leitura. Leiam o professor Bergson expondo como que oralmente. Na segunda leitura, então, nos deem a honra de falar a vocês um pouco sobre o pensamento imenso desse filósofo cujo papel no nosso tempo se descobre e se aprofunda.

 

Débora Cristina Morato Pinto

Departamento de Filosofia – Universidade Federal de São Carlos

 

Maria Adriana Camargo Cappello

Departamento de Filosofia – Universidade Federal do Paraná

 

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Para mais informações sobre a obra de Bergson e sua divulgação:

 

- Resenha sobre Annales Bergsoniennes 1. Bergson dans le siècle, por Robert Tirvaudey.In: Revue philosophique de la France et de l'étranger 2003/2 (Tome 128) ; Presses Universitaires de France.

- Homenagem aos 150 anos de Bergson. Revista CULT, nº 140/ ano 12 – entrevista com Frédéric Worms, apresentação “A vida, o tempo e o nosso tempo”, de Débora Morato Pinto; pp. 36 a 40.

- A atualidade de Henri Bergson (Éric Lecerf), Revista Discutindo a Filosofia, ano 2/ nº 10; texto “Bento Prado, leitor de Bergson” de Débora Morato Pinto; pp. 34-42.

- Dossiê « Bergson, philosophe de notre temps » in Magazine littéraire, nº 386, abril de 2000. Organizado por Frédéric Worms, pp. 16 a 66. Textos de Arnaud Bouaniche, Elie During. John Mullarkey, Pete A. Y. Gunter, Renaud Barbaras, André Robinet e F. Worms. Em especial, texto de Bento Prado Jr, “Une philosophie vivante”, pp. 28-30.